Texto/Fábio Cardoso/Turismo em Foco —
Provavelmente sem apoio e sem dinheiro, a 42ª edição do Festival de Inverno de Campina Grande deverá ser realizada de qualquer jeito e em praça pública e de graça. A revelação, em tom de desabafo, é da criadora e produtora do evento Eneida Agra Maracajá, que chamou o Ministério da Cultura de “sarcófago”. Esse ano não foi lançado edital – por meio da Fundação Nacional de Artes – para a realização de eventos culturais. Nem mesmo a Caixa Econômica Federal, que tradicionalmente lança editais, passou em branco.
“Nós ainda estamos trabalhando para captação de recursos. Foi um ano muito difícil, sem editais. O edital é o caminho certo para você tentar, mas até no edital da Caixa para Pernambuco e a Paraíba não fomos contemplados, como no ano passado, na área da dança. A Funarte também não abriu editais. Temos um fundo de cultura sócio depressivo e que é amparado politicamente, que não é o perfil do Festival. Então, um Festival de 42 anos é uma instituição, não é um evento, que há muito tempo fugiu dessa febre de eventologia.”
Sem recursos, Eneida Maracajá disse que irá colocar a arte nas ruas. “Por conta desses gravíssimos problemas, nós não temos condições de fazer o Festival como antes, quando ocupávamos praças, ruas, igrejas, teatros, feiras, mas, em outros tempos… Diante disso, nós não podemos fazer o Festival no teatro, na Praça da Bandeira, que é o ponto de maior concentração da história em todos os aspectos, é o coração cultural de Campina Grande. Por isso, como estamos fazendo nos últimos três anos, é entregar o Festival para o povo, distribuir os bens culturais gratuitamente.”
A produtora cultural disse que, se for como foi feito no ano passado, será na Praça da Bandeira, e os cursos e as oficinas e os debates acontecerão no Teatro Paulo Pontes, no Centro Cultural Francisco Ramalho, no Memorial Severino Cabral. “Dessa forma, espetáculos só virão aqueles que possam ser apresentados na rua. Espetáculo intimista, com aplicações técnicas, estéticas, para ambientes fechados como o Municipal de Campina Grande, Teatro Facisa, teatro do Sesc, como já fizemos, eu acho que está fora de cogitação. Iniciamos o projeto assim, tem pouco dinheiro, então vamos dar o que é bom de graça, no meio da rua.”
Eneida Maracajá lamenta também a confusão que as pessoas fazem com o Festival da cidade com outros, como o de Garanhus (PE). “É um Festival (o de Campina Grande) que tem o caráter essencialmente pedagógico, ele trabalha o ano todo, e reserva nove dias, oito dias, e já foi realizado 31 dias, como o Maior São João do Mundo, para fazer circulação da produção cultural da dança, da música, da cultura popular, como uma seleção de elevado nível técnico, porque se o dinheiro é tão curto, você só pode investir no que é bom, para ver o que é bom e é o que nós temos feito.”
A produtora cultural disse que o Ministério da Cultura é um antro de múmias e que dificulta a vida dos pequenos produtores culturais. O Festival sempre foi beneficiado pela Lei Rouanet, mas para Eneida, ela pode ser considerada a “lei dos consagrados, até porque nós fomos aprovados duas vezes e não conseguimos fazer captação de recursos, porque não há ainda uma consciência empresarial com interesse de investir na ação cultural, prefere, é claro, o entretenimento”, lamenta.
“Aonde vamos, onde chegamos, as pessoas dizem que vão patrocinar o São João. Então, na terra do Maior São João do Mundo, depois de um evento desse porte, as pessoas não entendem, confundem o Festival de Inverno de Campina Grande com o Festival de Garanhus (PE). Eu conheço todos os festivais realizados no Brasil, do mais antigo, de Ouro Preto (MG), passando pelo de Londrina (PR), e no Nordeste só tem a gente. Somos o único com essa longevidade, de 42 anos.”
Eneida Maracajá fica indignada quando tentam fazer comparações com os festivais realizados no Brasil. “Por que querer comparar perfil de festivais? O Festival de Garanhus é o São João de Caruaru. Não tem São João, então fazem festa, eu não faço festa. O Festival de Inverno está nos presídios, está nas feiras de Campina Grande, com projetos atendendo 98 crianças em estado de vulnerabilidade social”, desabafa a produtora.
“Agora, é o direito que nós temos de cumprir com as nossas tradições, com a nossa história, com a memória do Festival, e tirar do calendário oito, nove dias, para fazer espetáculo, trazer críticos, professores, socialistas das diversas áreas, porque precisamos fortalecer o intercâmbio, precisamos também dessa convivência com as novas linguagens da contemporaneidade, tudo é muito dinâmico e a gente tem de ver também aspectos do preparo técnico, tudo que envolve o conhecimento das artes.”
Eneida Maracajá afirma que a Funart fica defasada sem a abertura de editais esse ano. “O Ministério da Cultura, com essa transição, com esse entra e sai de ministro… Se já era confundido com um sarcófago, piorou agora.”